Capítulo 6 – À Noite no Alto da Pedra

 

Tentei organizar as idéias. Era tudo muito complicado. Não conseguia sequer imaginar com o que Lucas tinha se envolvido. Lembrei da nossa infância e adolescência. Lembrei dos desenhos estranhos que ele fazia, e me mostrava orgulhoso. Eram nove horas da manhã, eu estava cheio de trabalho pra fazer, mas não conseguia manter um ritmo. Estava muito pensativo, diria até preocupado, e isso não me ajudava em nada. Estava claro pra mim que o que quer que fosse este envolvimento de Lucas, boa coisa não era. Decidi que deveria ajudar o meu amigo, quisesse ele ou não a minha ajuda. Mais uma vez ele não tinha ido trabalhar.

 

Fui até a Érica e perguntei sobre esse tal de Cláudio, se era normal ele aparecer por aqui. “Ora, estamos aqui a praticamente o mesmo tempo, Felipe. Sei tanto dele quanto você.” – ela me respondeu. Era verdade, nos pouco mais de 6 meses que eu havia chegado em Taiguará, nunca tinha visto essa pessoa, e olha que a cidade era pequena. Ou seja, se ele tinha vindo até aqui, provavelmente deveria ser algo muito importante. Mas, bem, Lucas tinha ido se encontrar com ele, não é mesmo? Ou será que era com outra pessoa?

 

Eu pensava e pensava e sempre chegava a dúvida inicial: com o que será que Lucas estava envolvido? Nunca tinha visto nada de diferente em Taiguará. O jornal local nunca noticiou nada que “não pudesse ser explicado naturalmente”, como o próprio Lucas falou. As pessoas eram bem normais, hospitaleiras e simpáticas, não pareciam esconder nada. E a Natasha? Porque será que ela estava andando naquela estrada sozinha, tão distante de tudo? Deveria ter a ver com o mesmo que Lucas estava envolvido, provavelmente os dois se conheciam então!

 

Mas não podia fazer nada, pelo menos não naquele momento. Já tinha faltado ao trabalho naquela semana e estava atarefado até o pescoço. Não tive outra opção senão esperar, e assim que deu 6 horas, saí do estúdio e fui em direção ao local onde havia deixado Lucas ontem no final da tarde.

 

Cheguei lá e avistei a rua por entre as árvores que Lucas tinha seguido a pé. Se ele tinha ido a pé, aonde quer que fosse não deveria ser tão longe. Entrei na rua e comecei a seguir em baixa velocidade. As florestas que cercavam essa rua eram bem fechadas, e como já anoitecia, o cenário era bem sinistro. O que me fez lembrar daquele parquinho que íamos quando era criança, e da casa destruída, e do sumiço de Lucas naquela tarde de verão. Nunca ficou claro para mim o que tinha acontecido lá. Sabia apenas que a história que Lucas havia contado não era a verdadeira, e ele de fato havia encontrado alguma coisa. Sei bem disso porque daquele em diante ele nunca mais foi o mesmo. Andava sempre distraído, não se importava tanto com as coisas que antes lhe eram importantes. A própria Aline acabou se afastando dele, dizendo que ele estava estranho. Na verdade, acredito que eu era a única pessoa que ele ainda conversava normalmente.

 

Já estava a 15 minutos naquela rua e nada aparecia na minha frente, apenas árvores altas e fechadas. Em determinado momento a rua começou a meio que contornar um morro, e consegui visualizar uma trilha que ia para o topo deste morro. Estacionei o carro, e demorei cerca de 20 minutos pra decidir se seguia a trilha ou não. E desse modo fui seguindo-a até que cheguei numa enorme pedra que parecia estar pronta pra despencar morro abaixo. Contornei ela e subi em cima, e naquele momento pude ter uma bela visão de toda aquela região. A minha esquerda ficava a cidade, já com as luzes das casas acesas. A minha direita as paisagens serranas daquela região, cobertas pelas serrações, e a minha frente um belo horizonte, onde avistava a estrada que trazia à Taiguará. A mesma estrada onde tinha encontrado a Natasha naquela noite atípica. Um estabelecimento fracamente iluminado denunciava aquele posto de beira de estrada, aonde tinha ido naquela noite. Desviei um pouco o olhar para a esquerda e pude ter uma idéia de onde estava a estrada que eu tinha seguido, e assim consegui ver a casa dela. E estava iluminada, era a única coisa que eu conseguia ver de lá. No dia seguinte estaria eu comprando um binóculo, mas naquele momento precisava decidir o que faria.

 

Não tinha visualizado nada que poderia ser uma casa para onde Lucas tivesse ido no dia anterior. Era tudo muito estranho. E mais estranho foi o que aconteceu a seguir. Não sabia se era a minha imaginação ou se de fato ocorria. Alguém estava me chamando. Eram várias vozes, mas eram tão baixas que não poderia afirmar se realmente eram reais. Talvez fosse o vento me enganando, ou o próprio medo me pregando peças. Mas as vozes não paravam, e pareciam a cada vez ficarem mais altas. A verdade é que naquele momento eu já estava tão assustado que não posso relatar o que aconteceu de verdade. Só o que posso dizer é que em determinado momento não foi uma voz, e sim um verdadeiro grito o que escutei, bem ao meu lado, como se fosse berrado no meu ouvido. Tamanho foi o susto que perdi o equilíbrio, e despenquei do alto da pedra, rolando morro abaixo por pelo menos uns 10 metros. Muito machucado, me levantei e corri procurando a trilha, mas a verdade é que eu não a achei. Desci aquele morro por entre a mata mesmo, apenas desejando para que o que quer que estivesse ao meu lado naquele momento, não tinha resolvido me seguir.

 

Naquela corrida no meio da noite por entre as matas, tive a nítida sensação de ter vistos clarões hora avermelhados, hora de tonalidade azul claro. E também escutava vozes. Era óbvio que estavam me expulsando de lá. Com certeza haviam visto o meu carro lá embaixo, e resolveram me assustar, avisando para que eu parasse de tentar descobrir o que estava acontecendo. Esse foi o pensamento que me ocorreu no dia seguinte. Naquele momento estava desesperado, e aliviado ao mesmo tempo, porque finalmente tinha chegado à rua, e pude avistar o meu carro uns 100 metros à direita.

 

Entrei no carro, dei a partida e voltei numa velocidade alucinante. E na hora nem dei importância ao fato de que o que tinha acontecido comigo lembrava em muito a história que a Aline tinha contado pra nós, cerca de 12 anos atrás.

 

 Escrito por Felipe Duccini