Capítulo 10  - Pesadelo Acordado

A boate se chamava Tempest, e esse nome mostrou-se bem apropriado devido aos acontecimentos que se sucederam naquela noite.

Acho que este é o momento certo para fazer algumas apresentações. Estávamos em cinco. Além de mim iam o Davi – um desenhista de 25 anos de idade, que de dez coisas que falava, onze eram besteiras – e o Inoe, um jovem descendente de família japonesa que era na minha opinião o melhor desenhista do estúdio. Além disso também estavam presentes a Érica, e a Bia, uma amiga dela da faculdade.

Era noite de sábado e a casa estava lotada. Vários estudantes universitários da mesma universidade da Érica marcavam presença. O ambiente era agradável, apesar da seleção musical não ser lá das minhas preferidas. Passamos a noite dançando e bebendo, não nego. E mais ou menos neste momento começava a chover. Mas não uma chuvinha passageira, e sim uma verdadeira tempestade. Como a casa possuía dois ambientes, sendo um externo, todos que estavam na boate ficaram abrigados no espaço coberto.

Clarões repentinos anunciaram a queda de vários raios, cada vez mais próximos. Pior do que a chuva e os raios, era o vento, realmente bem forte, o que deixou muitas pessoas assustadas.

E eis que de repente todas as luzes se apagaram; assim como o som foi subitamente interrompido. E por último um estrondo espetacular fez com que todos saltassem ao mesmo tempo, tamanho o susto compartilhado. Tudo isso aconteceu, pelo que consigo parcialmente me lembrar, num intervalo de tempo de meio segundo.

Estávamos completamente no escuro. Algumas pessoas estavam bastante assustadas. As garotas em particular demonstravam mais o medo. Confesso que estava assustado também, mas como a maioria dos homens no local, eu fingia estar calmo e tranqüilo. Outros, obviamente já num estado mais alterado, achavam graça daquilo e aproveitavam a escuridão para xavecar as garotas. E tinham os oportunistas, é claro, que se aproximavam das garotas mais assustadas esperando que elas procurassem pela proteção deles. O Davi era um desses, e a Bia era a sua vítima, quer dizer, protegida.

A Érica estava calma. Ela apenas observava tudo aquilo com uma tranqüilidade invejável, soltando alguns comentários maliciosos às vezes, fazendo com que eu e o Inoe caíssemos na risada. Claro que ríamos mais de nervosos. Já que os raios continuavam a cair muito próximos, e o vento já derrubava alguns objetos e fazia o luminoso da boate balançar perigosamente.

Imagine-se em um ambiente lotado e escuro. Rápidos clarões iluminam este local, e às vezes você vê o movimento praticamente interrompido das pessoas, como se estivessem à luz piscante de um estroboscópio. Pois bem, não era raro eu olhar para algo, ou alguém, e este sumir logo em seguida. Então não é de se estranhar que no momento em que eu vi a namorada de Lucas naquele local, eu apenas estaria pensando se tratar de alguma brincadeira da minha já perturbada mente. Não fosse pelo fato de que um súbito movimento denunciava uma briga no meio daquela multidão, e foi preciso apenas um clarão para eu perceber que ela estava no meio daquilo tudo.

É muito difícil, devido à escuridão, de explicar o que estava acontecendo. O que pude perceber no momento é que se tratava de uma briga entre dois grupos. Tamanha a violência daquele embate, muitos correram para o lado de fora, mesmo no meio daquela tempestade. E foi aí que algo tão terrível quanto inexplicável aconteceu. Os ventos, os raios e a chuva aumentaram de intensidade sensivelmente. Um relâmpago caiu tão próximo, que todos pudemos ouvir o som de sua faísca antes do estrondo do seu trovão. Isso deixou todos atordoados, e em meio à cegueira momentânea causada pelo repentino clarão do relâmpago, pudemos ouvir o rangido de alguma coisa metálica se rompendo, seguido do estrondo de algo muito pesado atingindo o chão.

Não sei dizer a quanto aqueles gritos estavam sendo exauridos. Poderia fazer 10 segundos, ou até mesmo um minuto. Simplesmente o caos era tamanho que a passagem do tempo tornou-se completamente relativa. Mas aos poucos consegui perceber o que já suspeitava, e temia. Aquele luminoso que parecia estar prestes a desabar a qualquer momento, de fato o tinha feito, atingindo cinco pessoas. Duas delas estavam mortas.

Surpreendentemente nem cinco minutos após essa tragédia, a tempestade já estava passando. Pouco depois a polícia havia chegado no local, revistado muitas pessoas e interrogado outras. Alguns foram levados pela polícia. A namorada do Lucas não estava entre eles.

Fomos embora, e aquela seria a última vez em que sairíamos juntos. Quando cheguei em casa, notei que havia um recado na secretária eletrônica:

- Felipe, aqui é o Lucas. Infelizmente tenho de ser breve. Estão acontecendo coisas terríveis aqui em Taiguará. Lembre-se do que eu lhe disse naquela nossa última conversa e vá embora. Talvez não nos encontremos nunca mais, então muito obrigado por tudo, meu grande amigo, e adeus.

Estava chocado. Não conseguia mais acreditar no que estava acontecendo. Tudo parecia ser um enorme pesadelo em que eu acordaria mais cedo ou mais tarde. Mas estranhamente, naquela noite o meu sonho tinha sido exatamente o contrário de um pesadelo. Tinha sonhado com a Natasha, e de alguma forma sabia que em breve eu iria reencontrá-la.


 Escrito por Felipe Duccini